Uso de Tecnologia Terapêutica Dinâmica, para a pessoa com Lesão Medular

artigo05 Em nosso laboratório de Tecnologia Terapêutica Dinâmica ao longo de 20 anos estamos procurando desenvolver recursos tecnológicos, sejam como coadjuvantes terapêuticos sejam como facilitadores ou substitutos de funções.

Todo profissional que se envolve com tecnologia assistiva, sabe que enfrentará desafios complexos e que muitas vezes dependerá de uma equipe para resolver situações muito difíceis.

Ao longo do tempo, passamos a ter “amigos especiais” que são aqueles que estão conosco ao longo de toda nossa existência. São usuários que estão no nosso arquivo de histórias preciosas.

Por conta de um pedido simples, fruto de uma pequena necessidade, surgiram soluções que possibilitaram milhares de pessoas realizarem determinadas funções. Muitos desses amigos tem deficiência física , tetraplegia por lesão medular. Embora, nosso laboratório tenha sido criado a partir de um projeto financiado pelo CNPq para paralisia cerebral, desde a nossa fundação, recebemos pedidos desse grupo de usuários.

Esse indivíduo que tem tetraplegia por conta de uma lesão medular alta necessita muito de tecnologias. Desde o sentar que precisa ser bem adequado, até o posicionamento de membros inferiores e superiores para evitar deformidades. Há cirurgias para facilitar funções, há treinamentos em vários aspectos procurando rever rotinas e vivências diárias.

Em casos de lesões muito altas, algumas funções serão somente possíveis através da boca, de movimentos de cabeça, ou olhos. Viver com essa realidade torna nossos amigos verdadeiramente símbolos de possibilidades.

Muitos deles adquirem um senso de humor especial, portando sorrisos e contando historinhas de seu dia a dia de forma muito cômica. Divertem-se com a ausência de acessibilidade, com a estranheza das pessoas, com as faces que se escondem para não olhar, com o medo de muitas pessoas, com a discriminação ainda muito presente. Estamos iniciando o caminho do Desenho Universal, da Acessibilidade para todos.

Nossa órtese tubular modelo TFF5 – Aranha Mola (foto1) foi inventada de uma maneira bem divertida. Um dia, acompanhado por quatro seguranças bem fortes, adentra o laboratório um homem jovem, com o corpo ainda esculpido, pose e vestimentas de modelo. Nossos olhares se encontram e rapidamente ele fala sobre o que deseja antes que eu possa abrir a boca: “Olha dona T.O. eu sei que preciso ficar em pé, que preciso comer sozinho, fazer a barba, digitar um computador, etc., mas por enquanto, e por enquanto mesmo, só quero gastar meu dinheiro. Uma árvore caiu sobre o meu carrão. E agora estou assim. Recebi alta finalmente pois fugi da reabilitação. Preciso ir a baladas, preciso ir para a noite e rir muito. Quero somente assinar cheques, com uma adaptação bem discreta, que saia do bolso do meu paletó e cause um impacto visual, que todos me olhem e digam: Uau! Veja só o que o fortão do segurança está tirando do bolso DELE.”

Surge assim a Aranha Mola (TFF5). Para o super homem: do super bolso do paletó de lá sai o pequeno dispositivo para facilitar a assinatura de um cheque. Vai ser colocado na mão dele. Sua mão vai ser conduzida. Mas é do bolso DELE que sai o objeto inusitado. E naquele dia, vi um feliz usuário sair pela porta do laboratório. Foi tão simples e tão rápido, que penso nem cobramos nada. Mas olhando o protótipo inicial estávamos também felizes, a idéia poderia ajudar a tantas outras mãos de tantos outros em diversificadas aplicações.

Mais tarde pude acompanhar centenas de pessoas com tetraplegia, que estiveram fazendo reabilitação, utilizarem-se sozinhos da aranha mola para escrever. Vi um jovem de 15 anos, em Düssendorf, Alemanha, colocar e retirar com a boca o dispositivo de sua mão. Levou 10 minutos na primeira vez, e seus pais assistindo aplaudiram muito o empenho do filho.

Também fizemos uma prancheta de pintura para um dos mais antigos e queridos amigos. Da prancheta e da adaptação para a sua boca, saíram obras de artes, que até hoje estão em cadernos de uma fabricante de material escolar. A prancheta serve hoje como referência para inclusão escolar e também para pintores, desenhistas, escritores, etc. O sistema para adaptar seu notebook e demais necessidades está com ele há mais de 15 anos. Para ele também fizemos o sistema de Levitar os braços, como coadjuvante do processo de reabilitação. No caso dele não trouxe o benefício que ele precisava. Mas ao longo de tantos anos, estamos acompanhando outras pessoas com
tetraplegia por conta de lesão medular, como também pessoas com paralisia obstétrica, ou com deficiências após acidente vascular cerebral, e crianças com paralisia cerebral, com grande sucesso adquirindo novos movimentos.

Foi num Centro de Lesão Medular, em Toledo, Espanha, em 2001, que surgiu nosso facilitador na versão mais fina, elegante e especialmente formatado para portador de lesão medular: TFF3. (foto 2) Objetivos: leveza e higiene, em função de facultar a colocação e retirada da órtese com a boca. Esse modelo de órtese facilita sobre maneira a higiene e desinfecção. Vários utentes (como lá são chamados) ficaram muito felizes do novo facilitador e por sua praticidade de adequar-se a diversos padrões motores. Pude observar num mesmo dia, um grupo de aproximadamente 25 pessoas, utilizando-se de forma diversa do mesmo modelo TFF3.

Na novela Viver a Vida a personagem Luciana usou o modelo feito para paralisia cerebral por questão de visibilidade, detalhe esse fundamental para a Central de Novelas da Globo – Tuboform modeloTFF2 . (foto 3, 4)
Em Roma, Itália, em 2002, durante um congresso de Fisiatria e Reabilitação, fomos desafiados também a fazer voltar escrever um grande número de pessoas com lesão medular, e alguns deles a digitar computadores e alimentarem-se sozinho. Novamente a tanto a TFF1 como a TFF3 fizeram a diferença, e conseguimos deixar todos independentes para esses objetivos. (foto 5)

Fica aqui uma importante observação: sempre consideramos que a função está diretamente relacionada com o sentar-se adequadamente. Biomecânica e ergonomicamente. Se há uma possibilidade de promover a reabilitação, por exemplo, através de uma atividade precisamos esta atentos ao menor desgaste energético correlacionada com a postura. Membros superiores funcionais são promovidos com correta adequação postural.

A coluna vertebral e a transferência de peso sobre os glúteos devem ser alvo de cuidadoso acompanhamento continuado, principalmente em lesões medulares. Há compensações que precisam ser calibradas e é fundamental reduzir impactos sobre os discos intervertebrais e sobre as tuberosidades isquiáticas. Portanto, assento e encosto devem, pelo menos, atender às exigências biomecânicas recomendadas pelos grandes mestres pesquisadores em Ergonomia.

A escola de Ergonomia já estabelece parâmetros internacionais para utilizadores de mobiliário que permanecem a maior parte do tempo sentados. Ângulo entre encosto e assento de aproximadamente 105º. Assento com amortecimento de peso considerando-se a eventual necessidade de equilibrar transferência de peso assimétrica. Assento com pelo menos 15º de inclinação e ajuste de profundidade. Cadeira com reclínio nos pés, nos joelhos, no encosto.

Diversificar a postura no dia-dia, e considerar que a motorização da cadeira é importante para aquele que assim escolher. Os esforços repetitivos devem ser evitados, pois, irão acrescentar desconforto, dor, à uma pessoa que não dispõe de alternativas funcionais.

O uso de Elevadores de Transferência bem como Estabilizadores Verticais são necessários para a contribuição de uma dinamicidade postural diária.

Se a pessoa com lesão medular puder usufruir de um treino de marcha com retirada de peso em esteira é de grande valia para a neuroplasticidade funcional. Trabalhei em um Centro de Reabilitação em Coimbra, Portugal, que possui o Lokomat (sistema de marcha suspensa robotizado) e o Treadmill (sistema de marcha assistida sobre tapete rolante) que são meios diferenciados para a reeducação da marcha em múltiplas patologias e diferentes grupos etários, mas que estava obtendo excelentes resultados com o grupo de pacientes com lesão medular.

O Lokomat (foto 6) é programado para estimular gradativamente, cada arco de movimento, e como pode reduzir o esforço e facilitar o desempenho produz grande motivação ao reabilitando que participa da escolha eletiva do programa a ser aplicado no seu corpo. A superação é o aditivo principal.

Ver resultados imediatos, costuma ser um fator neuroplástico fundamental. Este é o contributo da neurociência para todos envolvidos em reabilitação funcional. Nós já temos ferramentas de baixíssimo custo-benefício para resultados imediatos, o que garante um processo inicial de reabilitação mais facilitado.

Já há uso de dispositivos robóticos para implementar os processos terapêuticos em fisioterapia e e terapia ocupacional, como a luva robótica, jaqueta robótica, etc. que também são utilizados para lesão medular. O projeto mais

auspicioso de todos, coloca uma pessoa com lesão medular alta, com quase nenhuma mobilidade de cabeça, e através de um capacete com sensores acoplado à cadeira motorizada o usuárior comanda a mobilidade da caderia através das ordens mentais.

O projeto chama-se Maia: Mental Augmentation through Determination of Intend : trata-se de um trabalho de colaboração entre diversas instituições em vários países, tendo como objetivo principal desenvolver uma nova geração de tecnologias assistivas robóticas. Estes robôs obedecem às ordens do cérebro. Esta relação cérebro-computador reconhece a intenção voluntária da ação e prontamente executa-a na ordem dos milissegundos. Há vídeos na internet demonstrando um desses inventos denominado de Action Brain-Actuated Wheelchair (Docking)

Todos os dias há publicações de novos experimentos com Realidade Virtual. Nosso Sistema Nervoso Central é totalmente influenciável e plástico ( modelar e remodelar plasticidade cerebral) . A Realidade Virtual já está sendo aplicada com sucesso em reabilitação cognitiva, transtornos emocionais, estresse pós traumático (PTSD), dor, mobilidade, etc. O filme Avatar demonstra claramente um cadeirante emocionalmente preparado para enfrentar desafios, e mais do que isso ,seu avatar é pródigo em execução motora, pois, encontra no patrimonio cerebral do cadeirante, toda a possibilidade de ir além.

Assim, a Realidade Virtual também já é uma ferramenta para ser utilizada na reabilitação motora, cabendo a cada um de nós profissionais, colaboradores, familiares, utilizadores, meios universitários e empresariais, estabelecermos uma meta de tornar essa ferramenta acessível para todos.

Finalizando, há também outro tipo de “amigos especiais”. Pois, nem sempre fomos tão eficazes como gostaríamos de ter sido. Há situações em que o nível de lesão ou a nossa dificuldade de desenvolvimento tecnológico nos impedem de atingir metas e desejos de pacientes e familiares.

Justamente essas pessoas que não pudemos ajudar da forma como todos desejavam, são também nossos baluartes para buscar sempre expandir nossos limites, possibilidades, sonhos.

Gisleine Martin Philot
Referência Bibliográfica digital, último acesso em 24 de março de 2010, às 20h40m.

http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL145025-5603,00.html

http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=robos-de-reabilitacao-reinventam-a-fisioterapia

http://digitaldrops.com.br/drops/2006/09/uma-roupa-robotica-para-reabilitacao.html

http://cnbi.epfl.ch/page83450.html

http://cnbi.epfl.ch/Jahia/site/cnbi/op/edit/pid/84433

http://www.aaate2009.eu/

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http://artabilitation.expositus.com/default.asp?sitename=&web_version=4

http://www.virtual-rehab.org/2011/

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http://www.ivrts.org/

http://resna.org/

http://www.tbirecovery.org/ashblog/2007/03/lokomat-gait-trainer.html

http://www.allina.com/ahs/ski.nsf/page/lokomat